Álvares de Azevedo
NA HORA em que a terra dorme
Enrolada em frios véus,
Eu ouço uma reza enorme
Enchendo o abismo dos céus...
Acendem-se os bentos círios
Dos vaga-lumes sutis!
"Ave!" murmuram os lírios,
"Ave!" dizem os covis!
Nos boqueirões há soluços...
Tem remorso o vendaval...
O mar se atira de bruços,
Coas barbas pelo areal.
As nuvens ajoelhadas
Nos claustros ermos e vãos,
Passam as contas doiradas
Das estrelas pelas mãos.
A açucena, por criança,
Junta os dedos... reza e ri!
A palmeira larga a trança...
Reza nua como a huri.
A ventania que emboca
Pela serra colossal
É o organista que toca
Nos sifões da catedral.
Que fanatismos divinos
Nas lapas do campo alvar!
Da onça os olhos felinos
Dizem rezas ao luar.
Há luzes fosforescentes
Acesas pelos marnéis...
São as larvas penitentes
Rezando pelos fiéis.
Monstro e anjo a noite grupa
No pedestal da oração...
Quem sabe se a catadupa
Bate nos peitos do chão?
Pelo cipó solitário
Gota a gota o orvalno cai
Como as bagas do rosário
De filha que chora o pai.
Reza tudo que tem boca
Cheia de graça ou terror...
O ninho — junto da toca!
A cratera ao pé da flor!
Só enquanto a reza enorme
Reboa pela amplidão...
Como Ló... o Homem dorme
No colo da criação!!!