Barcarola

Augusto dos Anjos

Cantam nautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar - Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas. Espelham-se os esplendores Do céu, em reflexos, nas Águas, fingindo cristais Das mais deslumbrantes cores. Em fulvos filões doirados Cai a luz dos astros por Sobre o marítimo horror Como globos estrelados. Lá onde as rochas se assentam Fulguram como outros sóis Os flamívomos faróis Que os navegantes orientam. Vai uma onda, vem outra onda E nesse eterno vaivém Coitadas! não acham quem, Quem as esconda, as esconda... Alegoria tristonha Do que pelo Mundo vai! Se um sonha e se ergue, outro cai; Se um cai, outro se ergue e sonha. Mas desgraçado do pobre Que em meio da Vida cai! Esse não volta, esse vai Para o túmulo que o cobre. Vagueia um poeta num barco. O Céu, de cima, a luzir Como um diamante de Ofír Imita a curva de um arco. A Lua - globo de louça - Surgiu, em lúcido véu. Cantam! Os astros do Céu Ouçam e a Lua Cheia ouça! Ouça do alto a Lua Cheia Que a sereia vai falar... Haja silêncio no mar Para se ouvir a sereia. Que é que ela diz?! Será uma História de amor feliz? Não! O que a sereia diz Não é história nenhuma. É como um réquiem profundo De tristíssimos bemóis... Sua voz é igual à voz Das dores todas do mundo. Fecha-te nesse medonho Reduto de Maldição, Viajeiro da Extrema-Unção, Sonhador do último sonho! Numa redoma ilusória Cercou-te a glória falaz, Mas nunca mais, nunca mais Há de cercar-te essa glória! Nunca mais! Sê, porém, forte. O poeta é como Jesus! Abraça-te à tua Cruz E morre, poeta da Morte! - E disse e porque isto disse O luar no Céu se apagou... Súbito o barco tombou Sem que o poeta o pressentisse! Vista de luto o Universo E Deus se enlute no Céu! Mais um poeta que morreu, Mais um coveiro do Verso! Cantam nautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas!