Minha amante

Álvares de Azevedo

Coração de mulher, qual filomela, É todo amor e canto ao pé da noite. JOÃO DE LEMOS Fulcite me floribus... quia amore langueo. Cant. Canticorum Ah! volta inda uma vez! foi só contigo Que, à noite, de ventura eu desmaiava... E só nos lábios teus eu me embebia De volúpias divinas! Volta, minha ventura! eu tenho sede Desses beijos ardentes que os suspiros Ofegando interrompem! quantas noites Fui ditoso contigo! E quantas vezes te embalei tremendo Sobre os joelhos meus! Quanto amorosa Unindo à minha tua face pálida De amor e febre ardias! Oh! volta inda uma vez! ergue-se a lua, Formosa como dantes, é bem noite, Na minha solidão brilha, de novo, Estrela de minh'alma! Desmaio-me de amor, descoro e tremo... Morno suor me banha o peito langue... Meu olhar se escurece e eu te procuro Com os lábios sedentos! Oh! quem pudera sempre em teus amores Sobre teu seio perfumar seus dias, Beijar a tua fronte e em teus cabelos Respirar ebrioso! És a coroa de meus anos breves, És a corda de amor d'íntima lira, O canto ignoto, que me enleva em sonhos De saudosas ternuras! E tu és como a lua: inda és mais bela, Quando a sombra nos vales se derrama, Astro misterioso à meia-noite Te revela a minh'alma! Ó! minha lira, ó viração noturna, Flores, sombras do vale, à minha amante... Dizei que nesta noite de desejos E de ternuras morro!