Spleen e Charutos – VI O Poeta Moribundo

Álvares de Azevedo

Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!... Façam dela uma corda, e cantem nela Os amores da vida esperançosa! Cantem esse verão que me alentava... O aroma dos currais, o bezerrinho, As aves que na sombra suspiravam, E os sapos que cantavam no caminho! Coração, porque tremes? Se esta lira Nas minhas mãos sem força desafina; Enquanto ao cemitério não te levam, Casa no marimbau a alma divina! Eu morro qual nas mãos da cozinheira O marreco piando na agonia... Como o cisne de outrora... que gemendo Entre os hinos de amor se enternecia. Coração, porque tremes? Vejo a morte, Ali vem lazarenta e desdentada... Que noiva!... E devo então dormir com ela?... Se ela ao menos dormisse mascarada! Que ruínas! que amor petrificado! Tão antediluviano e gigantesco! Ora, façam idéia que ternuras Terá essa lagarta posta ao fresco! Antes mil vezes que dormir com ela, Que dessa fúria o gozo, amor eterno... Se ali não há também amor de velha, Dêem-me as caldeiras do terceiro Inferno! No inferno estão suavíssimas belezas, Cleópatras, Helenas, Eleonoras; Lá se namora em boa companhia, Não pode haver inferno com Senhoras! Se é verdade que os homens gozadores, Amigos de no vinho ter consolos, Foram com Satanás fazer colônia, Antes lá que do Céu sofrer os tolos! — Ora! e forcem um'alma qual a minha Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça A cantar ladainha eternamente E por mil anos ajudar a Missa!