Tarde de Verão

Álvares de Azevedo

Como cheirosa e doce a tarde expira! De amor e luz inunda a praia bela... E o sol já roxo e trêmulo desdobra Um íris furta-cor na fronte dela. Deixai que eu morra só! enquanto o fogo Da última febre dentro em mim vacila, Não venham ilusões chamar-me à vida, De saudades banhar a hora tranqüila! Meu Deus! que eu morra em paz! não me coroem De flores infecundas a agonia! Oh! não doire o sonhar do moribundo Lisonjeiro pincel da fantasia! Exaurido de dor e d'esperança Posso aqui respirar mais livremente, Sentir ao vento dilatar-se a vida, Como a flor da lagoa transparente! Se ela estivesse aqui! no vale agora Cai doce a brisa morna desmaiando: Nos murmúrios do mar fora tão doce Da tarde no palor viver amando! Uni-la ao peito meu - nos lábios dela Respirar uma vez, cobrando alento; A divina visão de seus amores Acordar o meu peito inda um momento! Fulgura a minha amante entre meus sonhos, Como a estrela do mar nas águas brilha, Bebe à noite o favônio em seus cabelos Aroma mais suave que a baunilha. Se ela estivesse aqui! jamais tão doce O crepúsculo o céu embelecera... E a tarde de verão fora mais bela, Brilhando sobre a sua primavera! Da lânguida pupila de seus olhos Num olhar de desdém entorna amores, Como à brisa vernal na relva mole O pessegueiro em flor derrama flores. Árvore florescente desta vida, Que amor, beleza e mocidade encantam, Derrama no meu seio as tuas flores Onde as aves do céu à noite cantam! Vem! a areia do mar cobri de flores, Perfumei de jasmins teu doce leito; Podes suave, ó noiva do poeta, Suspirosa dormir sobre meu peito! Não tardes, minha vida! no crepúsculo Ave da noite me acompanha a lira... É um canto de amor... Meu Deus! que sonhos! Era ainda ilusão - era mentira!