As Duas Coroas

Antônio Gonçalves Dias

Há duas c'roas na terra, Uma d'ouro cintilante Com esmalte de diamante, Na fronte do que é senhor; Outra modesta e singela, C'roa de meiga poesia, Que a fronte ao vate alumia Com a luz dum resplendor. Ante a primeira se curvam Os potentados da terra: No bojo, que a morte encerra, Sobre a líquida extensão, Levam naus os seus ditames Da peleja entre os horrores; Vis escravos, crus senhores, Preito e menagem lhe dão. E quando o vate suspira Sobre esta terra maldita, Ninguém a voz lhe acredita, Mas riem dos cantos seus: Os anjos, não; porque sabem Que essa voz é verdadeira, Que é dos homens a primeira, Enquanto a outra é de Deus! Se eu fora rei, não te dera Quinhão na régia amargura; Nem te qu'ria, virgem pura, Sentada sob o dossel, Onde a dor tão viva anseia, Tão cruel, tão funda late, Como no peito que bate Sob as dobras do burel. Não te quisera no trono, Onde a máscara do rosto, Cobrindo o interno desgosto, Ser alegre tem por lei; Manda Deus, sim, que o rei chore; Mas que chore ocultamente, Porque, se o soubera a gente, Ninguém quisera ser rei! Mas o vate, quando sofre, Modula em meigos acentos, Seus doridos pensamentos, A sua interna aflição; E das lágrimas choradas Extrai um bálsamo santo, Que vale estancar o pranto Nos olhos do seu irmão.