Como eu te amo

Antônio Gonçalves Dias

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma, O orvalho numa flor, nos céus a estrela, No largo mar a sombra de uma vela, Que lá na extrema do horizonte assoma; Como se ama o clarão da branca lua, Da noite na mudez os sons da flauta, As canções saudosíssimas do nauta, Quando em mole vaivém a nau flutua, Como se ama das aves o gemido, Da noite as sombras e do dia as cores, Um céu com luzes, um jardim com flores, Um canto quase em lágrimas sumido; Como se ama o crepúsculo da aurora, A mansa viração que o bosque ondeia, O sussurro da fonte que serpeia, Uma imagem risonha e sedutora; Como se ama o calor e a luz querida, A harmonia, o frescor, os sons, os céus, Silêncio, e cores, e perfume, e vida, Os pais e a pátria e a virtude e a Deus: Assim eu te amo, assim; mais do que podem Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale Cantar a voz do trovador cansada: O que é belo, o que é justo, santo e grande Amo em ti. - Por tudo quanto sofro, Por quanto já sofri, por quanto ainda Me resta de sofrer, por tudo eu te amo. O que espero, cobiço, almejo, ou temo De ti, só de ti pende: oh! nunca saibas Com quanto amor eu te amo, e de que fonte Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo! Esta oculta paixão, que mal suspeitas, Que não vês, não supões, nem te eu revelo, Só pode no silêncio achar consolo, Na dor aumento, intérprete nas lágrimas. De mim não saberás como te adoro; Não te direi jamais, Se te amo, e como, e a quanto extremo chega Esta paixão voraz! Se andas, sou o eco dos teus passos; Da tua voz, se falas; o murmúrio saudoso que responde Ao suspiro que exalas. No odor dos teus perfumes te procuro, Tuas pegadas sigo; Velo teus dias, te acompanho sempre, E não me vês contigo! Oculto e ignorado me desvelo Por ti, que me não vês; Aliso o teu caminho, esparjo flores, Onde pisam teus pés. Mesmo lendo estes versos, que m'inspiras, - "Não pensa em mim", dirás: Imagina-o, se o podes, que os meus lábios Não to dirão jamais! Sim, eu te amo; porém nunca Saberás do meu amor; A minha canção singela Traiçoeira não revela O prêmio santo que anela O sofrer do trovador! Sim, eu te amo; porém nunca Dos lábios meus saberás, Que é fundo como a desgraça, Que o pranto não adelgaça, Leve, qual sombra que passa, Ou como um sonho fugaz! Aos meus lábios, aos meus olhos Do silêncio imponho a lei; Mas lá onde a dor se esquece, Onde a luz nunca falece, Onde o prazer sempre cresce, Lá saberás se te amei! E então dirás: Objeto Fui de santo e puro amor: A sua canção singela; Tudo agora me revela; Já sei o prêmio que anela O sofrer do trovador. "Amou-me como se ama a luz querida, Como se ama o silêncio, os sons, os céus, Qual se amam cores e perfume e vida, Os pais e a pátria, e a virtude e a Deus!"