Ode ao Amor

Augusto dos Anjos

Enches o peito de cada homem, medras N'alma de cada virgem, e toda a alma Enches de beijos de infinita calma... E o aroma dos teus beijos infinitos Entra na terra, bate nos granitos E quebra as rochas e arrebenta as pedras! És soberano! Sangras e torturas! Ora, tangendo tiorbas em volatas, Cantas a Vida que sangrando matas, Ora, clavas brandindo em seva a insana Fúria, lembras, Amor, a soberana Imagem pétrea das montanhas duras. Beijam-te o passo multidões escravas Dos Desgraçados! - Estas multidões Sonham pátrias douradas de ilusões Entre os tórculos negros da Desgraça - Flores que tombam quando a neve passaa No turbilhão das avalanches bravas! Tudo dominas! - Dos vergéis tranqüilos Aos Capitólios, e dos Capitólios Aos claros pulcros e brilhantes sólios De esplendor pulcro e de fulgências claras, Rendilhados de fulvas gemas raras E pontilhados de crisoberilos. Sobes ao monte onde o edelweiss pompeia N'alma do que subiu àquele monte! Mas, vezes, desces ao segredo insonte Do mar profundo onde a sereia canta E onde a Alcíone trêmula se espanta Ouvindo a gusla crebra da sereia! Rompe a manhã. Sinos além bimbalham. Troa o conúbio dos amores velhos - As borboletas e os escaravelhos Beijam-se no ar... Retroa o sino. E, quietos Beijam-se além os silfos e os insetos Sob a esteira dos campos que se orvalham. E em tudo estruge a tua dúlia - dúlia Que na fibra mais forte e até na fibra Mais tênue, chora e se lamenta e vibra... E em cada peito onde um Ocaso chora Levanta a cruz da redenção da Aurora Como a Judite a redimir Betúlia! Bem haja, pois, esse poder terrível, - Essa dominação aterradora - Enorme força regeneradora Que faz dos homens um leão que dorme E do Amor faz uma potência enorme Que vela sobre os homens, impassível! Esta de amor onde queixosa, Irene, Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem quando Entre estrias de estrelas, fosforeando, Egrégia estavas no teu plaustro egrégio Mais bela do que a Virgem de Corrégio E os quadros divinais de Guido Reni! Qual um crente em asiático pagode, Entre timbales e anafis estrídulos, Cativo, beija os áureos pés dos ídolos, Assim, Irene, eis-me de ti cativo! Cativaste-me, Irene, e eis o motivo, Eis o motivo por que fiz esta ode.