O que Alécio vê

Carlos Drummond de Andrade

A voz lhe disse (uma secreta voz): - Vai, Alécio, ver. Vê e reflete o visto, e todos captem por seu olhar o sentimento das formas que é o sentimento primeiro - e último - da vida. E Alécio vai e vê o natural das coisas e das gentes, o dia, em sua novidade não sabida, a inaugurar-se todas as manhãs, o cão, o parque, o traço da passagem das pessoas na rua, o idílio jamais extinto sob as ideologias, a graça umbilical do nu feminino, conversas de café, imagens de que a vida flui como o Sena ou o São Francisco para depositar-se numa folha sobre a pedra do cais ou para sorrir nas telas clássicas de museu que se sabem contempladas pela tímida (ou arrogante) desinformação das visitas, ou ainda para dispersar-se e concentrar-se no jogo eterno das crianças. Ai, as crianças... Para elas, há um mirante iluminado no olhar de Alécio e sua objetiva. (Mas a melhor objetiva não serão os olhos líricos de Alécio?) Tudo se resume numa fonte e nas três menininhas peladas que a contemplam, soberba, risonha, puríssima foto-escultura de Alécio de Andrade, hino matinal à criação e a continuação do mundo em esperança.