Poeta

Castro Alves

Meditar é trabalhar. Pensar é obrar. O olhar fito no céu é uma obra. V. HUGO. Lunivers est ]e temple, et Ia serre rautel. Les cieux sont le dbme; et les astres vans nombre Sont les sacrés flambeaux pour ce temps aliurptés. LAMARTINE. POETA, às horas mortas que o cálice azulado — Da etérea flor — a noite — debruça-se pra o mar, E a pálida sonâmbula, cumprindo o eterno fado, As gazas transparentes espalha do luar, Eu vi-te ao clarão, trêmulo dos astros lá naltura Pela janela aberta às virações azuis, — A amante sobre o peito sedento de ternura, A mente no infinito sedenta só de luz. Perto do candelabro teu Lamartine terno À tua espera abria as folhas de cetim; Mas tu lias no livro, onde escrevera o Eterno Letras — que são estrelas — no céu — folha sem fim — Cismavas... de astro em astro teu pensamento errava Rasgando o reposteiro da seda azul dos céus: E teu ouvido atento... em êxtase escutava Nas virações da noite o respirar de Deus. O oceano de tua alma, do crânio transbordando, Enchia a natureza de sentimento e amor, As noites eram ninhos de amantes socultando, O monte — um braço erguido em busca do Senhor. Nas selvas, nas neblinas o olhar visionário Via serguer fantasmas aqui... ali... além, Pra ti era o cipreste — o dedo mortuário Com que o sepulcro aponta no espaço ao longe... alguém No cedro pensativo, que a sós no descampado Geme e goteja orvalhos ao sopro do tufão, Vias um triste velho — sozinho, desprezado Molhando a barba em prantos coa fronte para o chão. Aqui — ondina louca — vogavas sobre os mares — Ali — silfo ligeiro — na murta ias dormir, Anjo — de algum cometa, que vaga pelos ares, Na cabeleira fúlgida brincavas a sorrir. Sublime panteísta, que amor em ti resumes, Sentes a alma de Deus na criação brilhar! Perfume — tu subias, de um anjo entre os perfumes, Ave do céu — nas nuvens teu ninho ias buscar. Canta, poeta, os hinos, com que o silêncio acordas, A natureza — é uma harpa presa nas mãos de Deus. O mundo passa... e mira o brilho dessas cordas... E o hino?... O hino apenas chega aos ouvidos teus. Todo o universo é um templo — o céu a cúpula imensa, Os astros — lampas de ouro no espaço a cintilar, A ventania — é o órgão que enche a nave extensa, Tu és o sacerdote da terra — imenso altar.