Este é o lenço

Cecília Meireles

Este é o lenço de Marília, pelas suas mãos lavrado, nem a ouro nem a prata, somente a ponto cruzado. Este é o lenço de Marília para o Amado. Em cada ponta, um raminho, preso num laço encarnado; no meio, um cesto de flores, por dois pombos transportado. Não flores de amor-perfeito, mas de malogrado! Este é o lenço de Marília: bem vereis que está manchado: será do tempo perdido? será do tempo passado? Pela ferrugem das horas? ou por molhado em águas de algum arroio singularmente salgado? Finos azuis e vermelhos do largo lenço quadrado, — quem pintou nuvens tão negras neste pano delicado, sem dó de flores e de asas nem do seu recado? Este é o lenço de Marília, por vento de amor mandado. Para viver de suspiros foi pela sorte fadado: breves suspiros de amante, — longos, de degredado! Este é o lenço de Marília nele vereis retratado o destino dos amores por um lenço atravessado: que o lenço para os adeuses e o pranto foi inventado. Olhai os ramos de flores de cada lado! E os tristes pombos, no meio, com o seu cestinho parado sobre o tempo, sobre as nuvens do mau fado! Onde está Marília, a bela? E Dirceu, com a lira e o gado? As altas montanhas duras, letra a letra, têm contado sua história aos ternos rios, que em ouro a têm soletrado... E as fontes de longe miram as janelas do sobrado. Este é o lenço de Marília para o Amado. Eis o que resta dos sonhos: um lenço deixado. Pombos e flores, presentes. Mas o resto, arrebatado. Caiu a folha das árvores, muita chuva tem gastado pedras onde houvera lágrimas. Tudo está mudado. Este é o lenço de Marília como foi bordado. Só nuvens, só muitas nuvens vêm pousando, têm pousado entre os desenhos tão finos de azul e encarnado. Conta já século e meio de guardado. Que amores como este lenço têm durado, se este mesmo está durando? mais que o amor representado?