Cemitérios

Florbela Espanca

Cemitério da minha terra, Paredes a branquejar; Que bom será lá dormir Um bom sonho sem sonhar!... De manhã, muito cedinho Dormir de leve, embalada Pias canções das raparigas Que gentis passam na 'strada. Cantem mais devagarinho, Mais baixinho, camponesas, Que os vossos cantos pareçam Tristes preces, doces rezas... A noitinha, ao sol posto Ouvindo as Ave-Marias! Meu Deus, que suavidade! Que paz de todos os dias! Os murmúrios dos ciprestes São doces canções aladas Serenatas de paixão Às almas enamoradas! O luar imaculado Em noite puras, serenas, É um rio, que vai fazendo Florir as açucenas... Canta triste o rouxinol Beijam-se lindos uns goivos, E no fundo duma campa Dormem felizes uns noivos... Dum túmulo a outro se fala: "Porque morreste tão nova? Porque tão cedo vieste Dormir numa fria cova?" "Eu era infeliz na terra, Ninguém me compreendia, Quando a minh’alma chorava Todos pensavam que eu ria..." "E tu tão triste e tão linda, Com olhos de quem chorou?" "Eu tive um amor na vida Que por outra me deixou!" "E tu?" "Sozinha no mundo Nunca tive o que outros têm: Pai, mãe ou um namorado... Morri por não ter ninguém!..." Uma diz: "Chorava um filho Que é uma dor sem piedade", Outra diz num vago enleio: "Eu cá, morri de saudade!" De todas as campas sai Um choro que é um mistério É então que os vivos sentem As vozes do cemitério... ...Vão-se calando os soluços... E as pobres mortas de dor Vão dormindo, acalentando Uns sonhos brancos d’amor... Invejo estes doces sonhos Neste terreno funéreo. Ai quem me dera dormir No meu lindo cemitério!