Dantes…

Florbela Espanca

Quando ia passear contigo ao campo, Tu ias sempre a rir e a cantar; E lembra-me até uma cotovia Que um dia se calou pra te escutar, Enquanto eu apanhava os malmequeres Que nos cumprimentavam da estrada, Que, depois esfolhavas, impiedoso, Na eterna pergunta: muito ou nada? Tu beijavas as f'ridas carminadas Que, em meus dedos, faziam os espinhos Das rosas que coravam, vergonhosas, Zangadas, de nos ver assim sozinhos. Fitávamos as nuvens do espaço. Que imensas! Que bonitas e que estranhas! E ficávamos horas a pensar Se seriam castelos ou montanhas... Que adoráveis canções de mimo e graça Os teus lábios proferiam a cantar! Tão mimosas, que as relvas da campina Ficavam pensativas a sonhar... As fontes murmuravam docemente, Os teus beijos cantavam namorados, Cintilavam as pedras do caminho, Sorriam as flores pelos valados... À hora sonhadora do poente Tinham maiores palpitações os ninhos. Lembras-te? íamos lavar as mãos, Vermelhas das amoras dos caminhos. Eu brincava a correr atrás de ti; Uma sombra perseguindo um clarão... E no seio da noite, os nossos passos Pareciam encher de sol a 'scuridão! Olhando tanta estrela, tu dizias: Olha a chuva de prata que nos cobre! Depois, numa expressão amarga e branda Recitavas, chorando, António Nobre!... Eu tinha medo, um medo atroz infindo De passear pelos campos a tal hora, Mas, olhando os teus olhos cintilantes, A noite semelhava uma aurora! E já passaram esses áureos tempos, E já fugiu a nossa mocidade!... Mas quando penso nesses dias lindos, Que tortura, minh’alma e que saudade!