Segunda canção de muito longe

Mário Quintana

Havia um corredor que fazia cotovelo: Um mistério encanando com outro mistério, no escuro... Mas vamos fechar os olhos E pensar numa outra cousa... Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe, Puxando a água fresca e profunda. Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas. Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros, E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões. Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu. Havia os azulejos, o muro do quintal, que limitava o mundo, Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas... Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos... As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros, O chiar das chaleiras... Onde andará agora o pince-nez da tia Tula Que ela não achava nunca? A pobre não chegou a terminar o Toutinegra do Moinho, Que saía em folhetim no Correio do Povo!... A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro. Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído. E ela nem se voltou para trás!