O cadafalso

Vinicius de Moraes

Eu caí de joelhos diante do amor transtornado do teu rosto Estavas alta e imóvel — mas teus seios vieram sobre mim e me feriram os olhos E trouxeram sangue ao ar onde a tempestade agonizava. Subitamente cresci e me multipliquei ao peso de tanta carne Cresci sentindo que a pureza escorria de mim como a chuva dos galhos E me deixava parado, vazio para a contemplação da tua face. Longe do mistério do teu amor, curvado, eu fiquei ante tuas partes intocadas Cheio de desejo e inquietação, com uma enorme vontade de chorar no teu vestido. Para desvendar as tuas formas nas minhas lágrimas Agoniado abracei-te e ocultei o meu sopro quente no teu ventre E logo te senti como um cepo e em torno a mim eram monges brancos em ofício de mortos E também — quem chorou? — vozes como lamentações se repetindo. No horror da treva cravou-se em meus olhos uma estranha máscara de dois gumes E sobre o meu peito e sobre os meus braços, tenazes de fogo, e sob os meus pés piras ardendo. Oh, tudo era martírio dentro daquelas vozes soluçando Tudo era dor e escura angústia dentro da noite despertada! “Me salvem — gritei — me salvem que não sou eu!” — e as ladainhas repetiam — me salvem que não sou eu! E veio então uma mulher como uma visão sangrenta de revolta Que com mão de gigante colheu o que de sexo havia em mim e o espremeu amargamente E que separou a minha cabeça violentamente do meu corpo. Nesse momento eu tive de partir e todos fugiam aterrados Porque misteriosamente meu corpo transportava minha cabeça para o inferno... ---