O Gondoleiro do Amor

Castro Alves

BARCAROLA DAMA-NEGRA Teus olhos são negros, negros, Como as noites sem luar... São ardentes, são profundos, Como o negrume do mar; Sobre o barco dos amores, Da vida boiando à flor, Douram teus olhos a fronte Do Gondoleiro do amor. Tua voz é cavatina Dos palácios de Sorrento, Quando a praia beija a vaga, Quando a vaga beija o vento. E como em noites de Itália Ama um canto o pescador, Bebe a harmonia em teus cantos O Gondoleiro do amor. Teu sorriso é uma aurora Que o horizonte enrubesceu, — Rosa aberta com o biquinho Das aves rubras do céu; Nas tempestades da vida Das rajadas no furor, Foi-se a noite, tem auroras O Gondoleiro do amor. Teu seio é vaga dourada Ao tíbio clarão da lua, Que, ao murmúrio das volúpias, Arqueja, palpita nua; Como é doce, em pensamento, Do teu colo no languor Vogar, naufragar, perder-se O Gondoleiro do amor!? Teu amor na treva é — um astro, No silêncio uma canção, É brisa — nas calmarias, É abrigo — no tufão; Por isso eu te amo, querida Quer no prazer, quer na dor... Rosa! Canto! Sombra! Estrela! Do Gondoleiro do amor. Recife, janeiro de 1867. Publicado no livro Espumas Flutuantes (1870). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 98-99