A Tarde

Castro Alves

Era a hora em que a tarde se debruça Lá da crista das serras mais remotas... E daraponga o canto, que soluça, Acorda os ecos nas sombrias grotas; Quando sobre a lagoa, que sembuça, Passa o bando selvagem das gaivotas ... E a onça sobre as lapas salta urrando, Da cordilheira os visos abalando. Era a hora em que os cardos rumorejam Como um abrir de bocas inspiradas, E os angicos as comas espanejam Pelos dedos das auras perfumadas ... A hora em que as gardênias, que se beijam, São tímidas, medrosas desposadas; E a pedra... a flor... as selvas ... os condores Gaguejam... falam... cantam seus amores! Hora meiga da Tarde! Como és bela Quando surges do azul da zona ardente! ... Tu és do céu a pálida donzela, Que se banha nas termas do oriente... Quando é gota do banho cada estrela. Que te rola da espádua refulgente... E, — prendendo-te a trança a meia lua, Te enrolas em neblinas seminua!... Eu amo-te, ó mimosa do infinito! Tu me lembras o tempo em que era infante. Inda adora-te o peito do precito No meio do martírio excruciante; E, se não te dá mais da infância o grito Que menino elevava-te arrogante, É que agora os martírios foram tantos, Que mesmo para o riso só tem prantos! ... Mas não mesqueço nunca dos fraguedos Onde infante selvagem me guiavas, E os ninhos do sofrer que entre os silvedos Da embaíba nos ramos me apontavas; Nem, mais tarde, dos lânguidos segredos De amor do nenufar que enamoravas... E as tranças mulheris da granadilha!. . . E os abraços fogosos da baunilha! ... E te amei tanto - cheia de harmonias A murmurar os cantos da serrana, — A lustrar o broquei das serranias, A doirar dos rendeiros a cabana... E te amei tanto — à flor das águas frias Da lagoa agitando a verde cana, Que sonhava morrer entre os palmares, Fitando o céu ao tom dos teus cantares! ... Mas hoje, da procela aos estridores, Sublime, desgrenhada sobre o monte, Eu quisera fitar-te entre os condores Das nuvens arruivadas do horizonte... ... Para então, — do relâmpago aos livores, Que descobrem do espaço a larga fronte, -- Contemplando o infinito. . ., na floresta Rolar ao som da funeral orquestra!!!