Fábula – O pássaro e a flor

Castro Alves

Era num dia sombrio Quando um pássaro erradio Veio parar num jardim. Aí fitando uma rosa, Sua voz triste e saudosa, Pôs-se a improvisar assim. "ó Rosa, ó Rosa bonita! Ó Sultana favorita Deste serralho de azul: Flor que vives num palácio, Como as princesas de Lácio, Como as filhas de Stambul. Corno és feliz! Quanto eu dera Pela eterna primavera Que o teu castelo contém... Sob o cristal abrigada, Tu nem sentes a geada Que passa raivosa além. Junto às estátuas de pedra Tua vida cresce, medra, Ao fumo dos narguillés, No largo vaso da China Da porcelana mais fina Que vem do Império Chinês. O Inverno ladra na rua, Enquanto adormeces nua Na estufa até de manhã. Por escrava - tens a aragem O sol - é teu louro pajem. Tu és dele - a castelã. Enquanto que eu desgraçado, Pelas chuvas ensopado, Levo o tempo a viajar, - Boêmio da média idade, Vou do castelo à cidade, Vou do mosteiro ao solar! Meu capote roto e pobre Mal os meus ombros encobre Quanto à gorra... tu bem vês! ... Ai! meu Deus! se Rosa fora Como eu zombaria agora Dos louros dos menestréis!. . . ............................................ Então por entre a folhagem Ao passarinho selvagem A rosa assim respondeu: "Cala-te, bardo dos bosques! Ai! não troques os quiosques Pela cúpula do céu. Tu não sabes que delírios Sofrem as rosas e os lírios Nesta dourada prisão. Sem falar com as violetas. Sem beijar as borboletas, Sem as auras do sertão. Molha-te a fria geada... Que importa? A loura alvorada Virá beijar-te amanhã. Poeta, romperás logo, A cada beijo de fogo, Na cantilena louçã. Mas eu?! Nas salas brilhantes Entre as tranças deslumbrantes A virgem me enlaçará Depois cadáver de rosa A valsa vertiginosa Por sobre mim rolará. Vai, Poeta... Rompe os ares Cruza a serra, o vale, os mares Deus ao chão não te amarrou! Eu calo-me - tu descansas, Eu rojo - tu te levantas, Tu és livre - escrava eu sou! ...