Acordarei as aves que, noturnas
Por medo à treva calam-se nos galhos
E aguardam insones o romper da aurora.
Despertarei os bêbados nos pórticos
Os cães sonâmbulos e os gerais mistérios
Que envolvem a noite. Pedirei gritando
Ao mar que mate e ao vento que violente
As jovens praias de pudor tão branco.
Quebrarei com ressacas e risadas
O silêncio habitual de Deus na noite
A intimidar os homens. Que a cidade
Ponha o xale da lua sobre a fronte
E saia a receber o seu poeta
Com ramos de jasmim e outras saudades.
A hora é de beleza. Em cada pedra
Em cada casa, em cada rua, em cada
Árvore, vive ainda uma carícia
Feita por mim, por mim que fui amante
Urbano, e mais que urbano, sobre-humano
Na noturna cidade desvairada.
Provavelmente não virei montado
Em cavalo nenhum, como soía
Nem de armadura, que essa, a poesia
Mais que nenhuma me defenderia
Numa cota de malhas de silêncio.
É bem possível até que chegue bêbado
E se em janeiro, de camisa esporte.
O importante é chegar, ser a unidade
Entre a cidade e eu, eu e a cidade
Ouvir de novo o mar se estilhaçando
Nas rochas, ou bramindo no oceano
Sozinho como um deus.................................
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.............................................Ó bem-amada
Rio! como mulher petrificada
Em nádegas e seios e joelhos
De rocha milenar, e verdejante
Púbis e axilas e os cabelos soltos
De clorofila fresca e perfumada!
Eu te amo, mulher adormecida
Junto ao mar! eu te amo em tua absoluta
Nudez ao sol e placidez ao luar.
Junto de ti me sinto, tua luz
Não fere o meu silêncio. O meu silêncio
Te pertence. Eu sei que resguardada
Dos seres que se movem entre teus braços
Teus olhos têm visões de outros espaços
Passados e futuros...
Como às vezes
Sobre a lunar estrada Niemeyer
Entre o clamor das ondas fustigadas
Meditam as montanhas. Que silêncio
Se escuta ali pousar, que gravidade
Da natureza! Eu sei, é bem verdade
Que sob o sol o Rio é muito claro
Muito claro demais, e sem mistério.
Eu sei que ao revérbero de janeiro
Morrem segredos como morrem as aves
Contentes de morrer. Eu sei tudo isso.
Já vi com esses meus olhos incansáveis
Idéias explodirem como flores
Entre réstias de sol já vi castelos
Matemáticos ruírem como cartas
Sistemas filosóficos perderem
A lógica do dia para a noite
Obras de arte nascentes desviarem-se
Do rumo da criação ante uma axila
Suada, e muitos santos se danarem
Sob a ação salutar do ultravioleta.
Mas pra quem tem o hábito da noite
Quem vive em intimidade com o silêncio
Quem sabe ouvir a música da treva
Quando na treva reproduz-se a vida
Para esse, a cidade se oferece
Num clima universal de eternidade
No contraponto do mover do mar
E no mutismo milenar da pedra
Em sua infinidade de infinitos
Para esse os Dois Irmãos contam uma história
Fantástica, de forças irrompendo
Da terra e se dispondo em formas súbitas
Viúva! Pão de Açúcar! Corcovado!
E mais ao sul, sarcófago do sol
A mesa imensa onde esse pode ver
Se acaso souber ver, no fim do dia
A silhueta do homem primitivo
(A mesma que ainda hoje, transformada
Passa sobre o mosaico da Avenida)
E até quem sabe, natural torcida
Assistindo de sua arquibancada
As serpentes do mar em luta ignara
Movendo maremotos, à porfia
No estádio natural da Guanabara.