O poeta Hart Crane suicida-se no mar

Vinicius de Moraes

Quando mergulhaste na água  Não sentiste como é fria  Como é fria assim na noite  Como é fria, como é fria?  E ao teu medo que por certo  Te acordou da nostalgia  (Essa incrível nostalgia  Dos que vivem no deserto...)  Que te disse a Poesia?  Que te disse a Poesia  Quando Vênus que luzia  No céu tão perto (tão longe  Da tua melancolia...)  Brilhou na tua agonia  De moribundo desperto?  Que te disse a Poesia  Sobre o líquido deserto  Ante o mar boquiaberto  Incerto se te engolia  Ou ao navio a rumo certo  Que na noite se escondia?  Temeste a morte, poeta?  Temeste a escarpa sombria  Que sob a tua agonia  Descia sem rumo certo?  Como sentiste o deserto  O deserto absoluto  O oceano absoluto  Imenso, sozinho, aberto?  Que te falou o Universo  O infinito a descoberto?  Que te disse o amor incerto  Das ondas na ventania?  Que frouxos de zombaria  Não ouviste, ainda desperto  Às estrelas que por certo  Cochichavam luz macia?  Sentiste angústia, poeta  Ou um espasmo de alegria  Ao sentires que bulia  Um peixe nadando perto?  A tua carne não fremia  À idéia da dança inerte  Que teu corpo dançaria  No pélago submerso?  Dançaste muito, poeta  Entre os véus da água sombria  Coberto pela redoma  Da grande noite vazia?  Que coisas viste, poeta?  De que segredos soubeste  Suspenso na crista agreste  Do imenso abismo sem meta?  Dançaste muito, poeta?  Que te disse a Poesia?   Rio de Janeiro, 1953. Hart Crane (Ohio, 1899-1933) foi poeta. Suicidou-se saltando do Navio que o levava a Nova Iorque. Admirava T. S. Elliot, inspirando-se nele em sua busca de uma linguagem capaz de traduzir a vitalidade, as ambigüidade e perplexidades do mundo moderno. Sua obra mais conhecida é o poema épico The Bridge (A Ponte), iniciado em 1923 e publicado em 1930. Segundo Crane, o poema era uma "síntese mística da América".