À Sepultura de um Escravo

Bernardo Guimarães

Também do escravo a humilde sepultura Um gemido merece de saudade: Uma lágrima só corra sobre ela De compaixão ao menos... Filho da África, enfim livre dos ferros Tu dormes sossegado o eterno sono Debaixo dessa terra que regaste De prantos e suores. Certo, mais doce te seria agora Jazer no meio lá dos teus desertos À sombra da palmeira, — não faltara Piedoso orvalho de saudosos olhos Que te regasse a campa; Lá muita vez, em noites d'alva lua, Canção chorosa, que ao tanger monótono De rude lira teus irmãos entoam, Teus manes acordara: Mas aqui — tu aí jazes como a folha Que caiu na poeira do caminho, Calcada sob os pés indiferentes Do viajor que passa. Porém que importa — se repouso achaste, Que em vão buscavas neste vale escuro, Fértil de pranto e dores; Que importa — se não há sobre esta terra Para o infeliz asilo sossegado? A terra é só do rico e poderoso, E desses ídolos que a fortuna incensa, E que, ébrios de orgulho, Passam, sem ver que co'as velozes rodas Seu carro d'ouro esmaga um mendigante No lodo do caminho!... Mas o céu é daquele que na vida Sob o peso da cruz passa gemendo; É de quem sobre as chagas do inditoso Derrama o doce bálsamo das lágrimas; É do órfão infeliz, do ancião pesado, Que da indigência no bordão se arrima; É do pobre cativo, que em trabalhos No rude afã exala o alento extremo; — O céu é da inocência e da virtude, O céu é do infortúnio. Repousa agora em paz, fiel escravo, Que na campa quebraste os ferros teus, No seio dessa terra que regaste De prantos e suores. E vós, que vindes visitar da morte O lúgubre aposento, Deixai cair ao menos uma lágrima De compaixão sobre essa humilde cova; Aí repousa a cinza do Africano, — O símbolo do infortúnio.