Hino à Preguiça

Bernardo Guimarães

Meiga Preguiça, velha amiga minha, Recebe-me em teus braços, E para o quente, conchegado leito Vem dirigir meus passos. Ou, se te apraz, na rede sonolenta, À sombra do arvoredo, Vamos dormir ao som d'água, que jorra Do próximo rochedo. Mas vamos perto; à orla solitária De algum bosque vizinho, Onde haja relva mole, e onde se chegue Sempre por bom caminho. Aí, vendo cair uma por uma As folhas pelo chão, Pensaremos conosco: — são as horas, Que aos poucos lá se vão. — Feita esta reflexão sublime e grave De sã filosofia, Em desleixada cisma deixaremos Vogar a fantasia, Até que ao doce e tépido mormaço Do brando sol do outono Em santa paz possamos quietamente Conciliar o sono. Para dormir à sesta às garras fujo Do ímprobo trabalho, E venho em teu regaço deleitoso Buscar doce agasalho. Caluniam-te muito, amiga minha, Donzela inofensiva, Dos pecados mortais te colocando Na horrenda comitiva. O que tens de comum com a soberba?... E nem com a cobiça?... Tu, que às honras e ao ouro dás as costas, Lhana e santa Preguiça? Com a pálida inveja macilenta Em que é que te assemelhas, Tu, que, sempre tranquila, tens as faces Tão nédias e vermelhas? Jamais a feroz ira sanguinária Terás por tua igual, E é por isso, que aos festins da gula Não tens ódio mortal. Com a luxúria sempre dás uns visos, Porém muito de longe, Porque também não é do teu programa Fazer vida de monge. Quando volves os mal abertos olhos Em frouxa sonolência, Que feitiço não tens!... que eflúvios vertes De mórbida indolência!... És discreta e calada como a noute; És carinhosa e meiga, Como a luz do poente, que à tardinha Se esbate pela veiga.