Bandido Negro

Castro Alves

Corre, corre, sangue do cativo Cai, cai, orvalho de sangue Germina, cresce, colheita vingadora A ti, segador a ti. Está madura. Aguça tua fouce, aguça, aguça tua fouce. (E. SUE - Canto dos filhos de Agar) Trema a terra de susto aterrada... Minha égua veloz, desgrenhada, Negra, escura nas lapas voou. Trema o céu ... ó ruína! ó desgraça! Porque o negro bandido é quem passa, Porque o negro bandido bradou: Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. Dorme o raio na negra tormenta... Somos negros... o raio fermenta Nesses peitos cobertos de horror. Lança o grito da livre coorte, Lança, ó vento, pampeiro de morte, Este guante de ferro ao senhor. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. Eia! ó raça que nunca te assombras! Pra o guerreiro uma tenda de sombras Arma a noite na vasta amplidão. Sus! pulula dos quatro horizontes, Sai da vasta cratera dos montes, Donde salta o condor, o vulcão. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. E o senhor que na festa descanta Pare o braço que a taça alevanta, Coroada de flores azuis. E murmure, julgando-se em sonhos: "Que demônios são estes medonhos, Que lá passam famintos e nus?" Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. Somos nós, meu senhor, mas não tremas, Nós quebramos as nossas algemas Pra pedir-te as esposas ou mães. Este é o filho do ancião que mataste. Este - irmão da mulher que manchaste... Oh! não tremas, senhor, são teus cães. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. São teus cães, que têm frio e têm fome, Que há dez séclos a sede consome... Quero um vasto banquete feroz... Venha o manto que os ombros nos cubra. Para vós fez-se a púrpura rubra, Fez-se a manto de sangue pra nós. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. Meus leões africanos, alerta! Vela a noite... a campina é deserta. Quando a lua esconder seu clarão Seja o bramo da vida arrancado No banquete da morte lançado Junto ao corvo, seu lúgubre irmão. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz. Trema o vale, o rochedo escarpado, Trema o céu de trovões carregado, Ao passar da rajada de heróis, Que nas éguas fatais desgrenhadas Vão brandindo essas brancas espadas, Que se amolam nas campas de avós. Cai, orvalho de sangue do escravo, Cai, orvalho, na face do algoz. Cresce, cresce, seara vermelha, Cresce, cresce, vingança feroz