COUP DÉTRIER

Castro Alves

É preciso partir! Já na calçada Retinem as esporas do arrieiro; Da mula a ferradura tacheada Impaciente chama o cavaleiro; A espaços ensaiando uma toada Sincha as bestas o lépido tropeiro ... Soa a celeuma alegre da partida, O pajem firma o loro e empunha a brida. Já do largo deserto o sopro quente Mergulha perfumado em meus cabelos. Ouço das selvas a canção cadente Segredando-me incógnitos anelos. A voz dos servos pitoresca, ardente Fala de amores férvidos, singelos ... Adeus! Na folha rota de meu fado Traço ainda um — adeus — ao meu passado. Um adeus! E depois morra no olvido Minha história de luto e de martírio, As horas que eu vaguei louco, perdido Das cidades no tétrico delírio; Onde em pântano turvo, apodrecido Díntimas flores não rebenta um lírio... E no drama das noites do prostíbulo É mártir — alma... a saturnal — patíbulo! Onde o Gênio sucumbe na asfixia Em meio à turba alvar e zombadora; Onde Musset suicida-se na orgia, E Chatterton na fome aterradora! Onde, à luz de uma lâmpada sombria, O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora, Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos Pra realce dos lúbricos encantos! ... Abre-me o seio, ó Madre Natureza! Regaços da floresta americana, Acalenta-me a mádida tristeza Que da vaga das turbas espadana. Troca destalma a fria morbideza Nessa ubérrima seiva soberana! ... O Pródigo ... do lar procura o trilho ... Natureza! Eu voltei ... e eu sou teu filho! Novo alento selvagem, grandioso Trema nas cordas desta frouxa lira. Dá-me um plectro bizarro e majestoso, Alto como os ramais da sicupira. Cante meu gênio o dédalo assombroso Da floresta que ruge e que suspira, Onde a víbora lambe a parasita ... E a onça fula o dorso pardo agita! Onde em cálix de flor imaginária A cobra de coral rola no orvalho, E o vento leva a um tempo o canto vário Daraponga e da serpe de chocalho... Onde a soidão é o magno estradivário Onde há músclos em fúria em cada galho, E as raízes se torcem quais serpentes... E os monstros jazem no ervaçal dormentes. E se eu devo expirar... se a fibra morta Reviver já não pode a tanto alento... Companheiro! Uma cruz na selva corta E planta-a no meu tosco monumento!... Da chapada nos ermos... (o quimporta?) Melhor o inverno chora... e geme o vento. E Deus para o poeta o céu desata Semeado de lágrimas de prata!... Curralinho, 1 de junho de 1870.