No Meeting Du Comité du Pain

Castro Alves

JÁ QUE A TERRA estacou nórbita imensa, Já que tudo mentiu — a glória! a crença! A liberdade! a cruz! E o Sísifo dos séclos — assombrado — Viu rolar-lhe do dorso ensangüentado O rochedo de luz... Já que o amor transmudou-se em ódio acerbo, Que a eloqüência — é o canhão, a bala — o verbo. O ideal — o horror! E nos fastos do século, os tiranos Traçam coa ferradura dos ulanos O ciclo do terror, Já que, igual ao florete de Gennaro, Um sabre arranca do presente ignaro Este letreiro — Luz —, Já que a Glória recua (cousa horrenda), E Átila vai de Washington na senda, E Sisa após Jesus! Já que a Rousseau sucede Machiavelo, Já que a Europa de altar fez-se escabelo, Da guerra meretriz, Já que o sonho de Canning era falso, Já que após abolir-se o cadafalso, Crucificam Paris. Já que é mentira a voz da Humanidade, Já que riscam da Bíblia a Caridade, E d’alma o coração... E a noite da descrença desce feia E, tropeçando em ossos, cambaleia Dos povos a razão! ... ........................................... Filhos do Novo Mundo! ergamos nós um grito Que abafe dos canhões o horríssono rugir, Em frente do oceano! em frente do infinito Em nome do progresso! em nome do porvir. Não deixemos, Hebreus, que a destra dos tiranos Manche a arca ideal das nossas ilusões. A herança do suor, vertido em dois mil anos, Há de intacta chegar às novas gerações! Nós, que somos a raça eleita do futuro, O filho que o Senhor amou, qual Benjamim, Que faremos de nós. . . se é tudo falso, impuro, Se é mentira - o Progresso! e o Erro não tem fim? Não; clamemos bem alto à Europa, ao globo inteiro! Gritemos liberdade em face da opressão! Ao tirano dizei: Tu és um carniceiro! És o crime de bronze! — escreva-se ao canhão! Falemos de Justiça — em frente à Mortandade! Falemos do Direito — ao gládio que reluz! Se eles dizem — Rancor, dizei — Fraternidade! Se erguem a meia lua, ergamos nós a Cruz! Digamos à Criança — O Mestre ama esta idade! Digamos à Velhice: — Honra às vossas cãs! — Digamos à Miséria, à Fome e à Orfandade: É vosso o nosso lar... vós sois nossas irmãs. Digamos a Strasburgo: "Mereces do Universo!" Digamos... Não! Silêncio em frente de Paris... O Amazonas que leve o nosso pranto imerso À glória das Vestais! à herdeira das Judites. ............................................... Ó França! deste a luz que de teu ser jorrava! Ó França! acolhe agora em recompensa... o pão. O Cristo no deserto os pães multiplicava, Faça agora o milagre, ó França, o coração! E, se acaso alta noite, em noite de invernada, Enquanto no horizonte a chama lambe o ar, Uma débil criança, esquálida e gelada, Por ti, Pátria, encontrar abrigo, pão e lar... Quando aquele inocente, a sós no campo I escuro, Abençoar de longe os brasileiros céus Sabe que este menino — é o símbolo do futuro! E aquela frágil mão... oculta a mão de Deus...