O Canto de Bug Jargal

Castro Alves

(Traduzido de V. Hugo) Por que foges de mim? Por que, Maria? E gelas-te de medo, se me escutas? Ah! sou bem formidável na verdade, Sei ter amor, ter dores e ter cantos! Quando, através das palmas dos coqueiros Tua forma desliza aérea e pura, Ó Maria, meus olhos se deslumbram, Julgo ver um espírito que passa. E se escuto os acentos encantados, Que em melodia escapam de teus lábios, Meu coração palpita em meu ouvido Misturando um queixoso murmurio De tua voz à lânguida harmonia. Ai! tua voz é mais doce do que o canto Das aves que no céu vibram as asas, E que vem no horizonte lá da pátria. Da pátria onde era rei, onde era livre! Rei e livre, Maria! e esqueceria Tudo por ti... esqueceria tudo — A família, o dever, reino e vingança Sim, até a vingança! ... ainda que cedo Tenha enfim de colher este acre fruto, Acre e doce que tarde amadurece. ................................................................... Ó Maria, pareces a palmeira Bela, esvelta, embalada pelas auras. E te miras no olhar de teu amante Como a palmeira nágua transparente. Porém ... sabes? Às vezes há no fundo Do deserto o uragã que tem ciúmes Da fonte amada... e arroja-se e galopa. O ar e a areia misturando turvos Sob o vôo pesado de suas asas. Num turbilhão de fogo, árvore e fonte Envolve... e seca a límpida vertente, Sente a palmeira a um hálito de morte Crespar-se o verde circlo da folhagem, Que tinha a majestade de uma croa E a graça de uma solta cabeleira. ................................................................... Oh! treme, branca filha de Espanhola, Treme, breve talvez tenhas em torno O uragã e o deserto. Então, Maria, Lamentarás o amor que hoje pudera Te conduzir a mim, bem como o kata — Da salvação o pássaro ditoso — Através das areias africanas Guia o viajante lânguido à cisterna. E por que enjeitas meu amor? Escuta: Eu sou rei, minha fronte se levanta Sobre as frontes de todos. Ó Maria, Eu sei que és branca e eu negro, mas precisa O dia unir-se à noite feia, escura, Para criar as tardes e as auroras, Mais belas do que a luz, mais do que as trevas!