O Fantasma e a Canção

Castro Alves

Orgulho! desce os olhos dos céus sobre ti mesmo, e vê como os nomes mais poderosos vão se refugiar numa canção. BYRON. — Quem bate? — "A noite é sombria!" — Quem bate? — "É rijo o tufão! ... Não ouvis? a ventania Ladra à lua como um cão." — Quem bate? — "0 nome quimporta? Chamo-me dor... abre a porta! Chamo-me frio... abre o lar! Dá-me pão... chamo-me fome! Necessidade é o meu nome!" — Mendigo! podes passar! "Mulher, se eu falar, prometes A porta abrir-me?" — Talvez. — "Olha... Nas cãs deste velho Verás fanados lauréis. Há no meu crânio enrugado O fundo sulco traçado Pela croa imperial. Foragido, errante espectro, Meu cajado — já foi cetro! Meus trapos — manto real!" — Senhor, minha casa é pobre... Ide bater a um solar! — "De lá venho... O Rei-fantasma Baniram do próprio lar. Nas largas escadarias, Nas vetustas galerias, Os pajens e as cortesãs Cantavam! ... Reinava a orgia! ... Festa! Festa! E ninguém via O Rei coberto de cãs!" — Fantasmas! Aos grandes, que tombam, É palácio o mausoléu! — "Silêncio! De longe eu venho... Também meu túmulo morreu. O séc’lo — traça que medra Nos livros feitos de pedra — Rói o mármore, cruel. O tempo — Átila terrível Quebra coa pata invisível Sarcófago e capitel. "Desgraça então para o espectro, Quer seja Homero ou Solon, Se, medindo a treva imensa Vai bater ao Panteon... o motim — Nero profano — No ventre da cova insano Mergulha os dedos cruéis. Da guerra nos paroxismos Se abismam mesmo os abismos E o Morto morre outra vez! "Então, nas sombras infindas, Sesbarram em confusão Os fantasmas sem abrigo Nem no espaço, nem no chão... As almas angustiadas, Como águias desaninhadas, Gemendo voam no ar. E enchem de vagos lamentos As vagas negras dos ventos, Os ventos do negro marl "Bati a todas as portas Nem uma só me acolheu!..." — "Entra! —: Uma voz argentina Dentro do lar respondeu. — "Entra, pois! Sombra exilada, Entra! O verso — é uma pousada Aos reis que perdidos vão. A estrofe — é a púrpura extrema, Último trono — é o poema! Último asilo — a Canção!..."