Ode ao Dous de Julho

Castro Alves

(Recitada no Teatro de S. Paulo) Era no Dous de julho. A pugna imensa Travara-se nos cerros da Bahia... O anjo da morte pálido cosia Uma vasta mortalha em Pirajá. "Neste lençol tão largo, tão extenso, "Como um pedaço roto do infinito... O mundo perguntava erguendo um grito: "Qual dos gigantes morto rolará?!..." Debruçados do céu... a noite e os astros Seguiam da peleja o incerto fado... Era a tocha — o fuzil avermelhado! Era o Circo de Roma — o vasto chão! Por palmas — o troar da artilharia Por feras — os canhões negros rugiam! Por atletas — dous povos se batiam! Enorme anfiteatro — era a amplidão! Não! Não eram dous povos, que abalavam Naquele instante o solo ensanguentado... Era o porvir — em frente do passado, A Liberdade — em frente à Escravidão, Era a luta das águias — e do abutre, A revolta do pulso — contra os ferros, O pugilato da razão — com os erros, O duelo da treva — e do clarão!... No entanto a luta recrescia indômita... As bandeiras — como águias eriçadas — Se abismavam com as asas desdobradas Na selva escura da fumaça atroz... Tonto de espanto, cego de metralha, O arcanjo do triunfo vacilava... E a glória desgrenhada acalentava O cadáver sangrento dos heróis... ............................................... ............................................... Mas quando a branca estrela matutina Surgiu do espaço... e as brisas forasteiras No verde leque das gentis palmeiras Foram cantar os hinos do arrebol, Lá do campo deserto da batalha Uma voz se elevou clara e divina: Eras tu — Liberdade peregrina! Esposa do porvir — noiva do sol!... Eras tu que, com os dedos ensopados No sangue dos avós mortos na guerra, Livre sagravas a Colúmbia terra, Sagravas livre a nova geração! Tu que erguias, subida na pirâmide, Formada pelos mortos do Cabrito, Um pedaço de gládio — no infinito... Um trapo de bandeira — n'amplidão!... São Paulo, junho de 1868. Imagem - 00290005 Publicado no livro Espumas flutuantes: poesias de Castro Alves, estudante do quarto ano da Faculdade de Direito de S. Paulo (1870). In: ALVES, Castro. Obra completa. Org. e notas Eugênio Gomes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 198