Confissáo

Florbela Espanca

Aborreço-te muito. Em ti há qualquer cousa De frio e de gelado, de pérfido e cruel, Como um orvalho frio no tampo duma lousa, Como em doirada taça algum amargo fel. Odeio-te também. O teu olhar ideal O teu perfil suave, a tua boca linda, Sao belas expressoes de todo o humano mal Que inunda o mar e o céu e toda a terra infinda. Desprezo-te também. Quando te ris e falas, Eu fico-me a pensar no mal que tu calas Dizendo que me queres em íntimo fervor! Odeio-te e desprezo-te. Aqui toda a minh'alma Confessa-to a rir, muito serena e calma! Ah, como eu te adoro, como eu te quero, amor!...