A lenda da maldição

Vinicius de Moraes

A noite viu a criança que subia a escada cheia de risos e de sombras E pousou como um pássaro ferido sobre as árvores que choravam. A criança era o príncipe-poeta que a música ardente fizera subir à última torre E a noite era a camponesa que amava o príncipe e o adormecia no seu canto. Quando a criança chegou ao ponto mais alto viu que a música era o riso embriagado E que o riso embriagado era das estátuas mortas que tinham no ventre aberto entranhas murchas. A criança lembrou-se da noite cheia de entranhas e cujo riso era a poesia eterna E a angústia cresceu no seu coração como o mar alto nos penhascos. O olhar cego das estátuas levou o herdeiro do reino ao fosso negro — ó príncipe, onde estás? — a voz dizia E a água subia, nos braços, no peito, na boca, nos olhos do amado da noite. Depois saiu do fosso um homem que era o poeta-amaldiçoado E que possuiu a noite chorando, adormecida. A noite que nada viu continua chamando o príncipe-poeta Enquanto o poeta-amaldiçoado chora nos braços das estátuas mortas...