A miragem

Vinicius de Moraes

Não direi que a tua visão desapareceu dos meus olhos sem vida  Nem que a tua presença se diluiu na névoa que veio.  Busquei inutilmente acorrentar-te a um passado de dores  Inutilmente.  Vieste - tua sombra sem carne me acompanha  Como o tédio da última volúpia.  Vieste - e contigo um vago desejo de uma volta inútil  E contigo uma vaga saudade…  És qualquer coisa que ficará na minha vida sem termo  Como uma aflição para todas as minhas alegrias.  Tu és a agonia de todas as posses  És o frio de toda a nudez  E vã será toda a tentativa de me libertar da tua lembrança.  Mas quando cessar em mim todo o desejo de vida  E quando eu não for mais que o cansaço da minha caminhada pela areia  Eu sinto que me terás como me tinhas no passado -  Sinto que me virás oferecer a água mentirosa  Da miragem.  Talvez num ímpeto eu prefira colar a boca à areia estéril  Num desejo de aniquilamento.  Mas não. Embora sabendo que nunca alcançarei a tua imagem  Que estará suspensa e me prometerá água  Embora sabendo que tu és a que foge  Eu me arrastarei para os teus braços.