As mulheres ocas

Vinicius de Moraes

Headpiece filled with siraw  T.S. Eliot, "The Hollow Men"  Nós somos as inorgânicas  Frias estátuas de talco  Com hálito de champagne  E pernas de salto alto  Nossa pele fluorescente  É doce e refrigerada  E em nossa conversa ausente  Tudo não quer dizer nada.  Nós somos as longilíneas  Lentas madonas de boate  Iluminamos as pistas  Com nossos rostos de opala.  Vamos em câmara lenta  Sem sorrir demasiado  E olhamos como sem ver  Com nossos olhos cromados.  Nós somos as sonolentas  Monjas do tédio inconsútil  Em nosso escuro convento  A ordem manda ser fútil  Fomos alunas bilíngües  De "Sacre-Coeur" e "Sion"  Mas adorar, só adoramos  A imagem do deus Mamon.  Nós somos as grã-funestas  Filhas do Ouro com a Miséria  O gênio nos enfastia  E a estupidez nos diverte.  Amamos a vida fria  E tudo o que nos espelha  Na asséptica companhia  Dos nossos machos-de-abelha.  Nós somos as bailarinas  Pressagas do cataclismo  Dançando a dança da moda  Na corda bamba do abismo.  Mas nada nos incomoda  De vez que há sempre quem paga  O luxo de entrar na roda  Em Arpels ou Balenciaga.  Nós somos as grã-funestas  As onézimas letais*  Dormimos a nossa sesta  Em ataúdes de cristal  E só tiramos do rosto  Nossa máscara de cal  Para o drinque do sol posto  Com o cronista social.  * Uma das categorias da Nova Gnomônia, de Jayme Ovalle, que classifica os seres e as coisas em: datas, parás, mozarlescos, kernianos e os onézimos, sendo estes conhecidos "pés-frios". Para maiores esclarecimentos, ver o capítulo [a crônica] "A Nova Gnomônia" em Crônicas da província do Brasil, de Manuel Bandeira.