O poeta aprendiz

Vinicius de Moraes

Ele era um menino  Valente e caprino  Um pequeno infante  Sadio e grimpante.  Anos tinha dez  E asinhas nos pés  Com chumbo e bodoque  Era plic e ploc.  O olhar verde-gaio  Parecia um raio  Para tangerina  Pião ou menina.  Seu corpo moreno  Vivia correndo  Pulava no escuro  Não importa que muro  E caía exato  Como cai um gato.  No diabolô  Que bom jogador  Bilboquê então  Era plim e plão.  Saltava de anjo  Melhor que marmanjo  E dava o mergulho  Sem fazer barulho.  No fundo do mar  Sabia encontrar  Estrelas, ouriços  E até deixa-dissos.  Às vezes nadava  Um mundo de água  E não era menino  Por nada mofino  Sendo que uma vez  Embolou com três.  Sua coleção  De achados do chão  Abundava em conchas  Botões, coisas tronchas  Seixos, caramujos  Marulhantes, cujos  Colocava ao ouvido  Com ar entendido  Rolhas, espoletas  E malacachetas  Cacos coloridos  E bolas de vidro  E dez pelo menos  Camisas-de-vênus.  Em gude de bilha  Era maravilha  E em bola de meia  Jogando de meia -  Direita ou de ponta  Passava da conta  De tanto driblar.  Amava era amar.  Amava sua ama  Nos jogos de cama  Amava as criadas  Varrendo as escadas  Amava as gurias  Da rua, vadias  Amava suas primas  Levadas e opimas  Amava suas tias  De peles macias  Amava as artistas  Das cine-revistas  Amava a mulher  A mais não poder.  Por isso fazia  Seu grão de poesia  E achava bonita  A palavra escrita.  Por isso sofria.  Da melancolia  De sonhar o poeta  Que quem sabe um dia  Poderia ser.