Patético

Vinicius de Moraes

Está ausente. Ausente como as vozes da minha infância  E muda - eu lhe dou adeus de todos os espaços  Grito o seu nome em todas as ruas - e os trens passam deixando a distância nas casas que dormem  Mas está muda e ausente - e os trens passam e eu grito o seu nome…  Ah, meu amor! por que a saudade está me chamando para a noite?  Sou eu, sou eu! aquele cuja alma se estende sobre a vida  Aquele cujo espírito é imenso e cujo coração é trágico  Eu, eu... E logo nada mais serei que memória e dolorosa lembrança  Teus gestos e teus olhares de profunda inocência, onde estão?  Nada se move... - há uma luz, um leito e uma lua lá longe...  Talvez eu esteja prisioneiro de um destino atroz - socorre-me!  Talvez eu esteja sofrendo um instante atroz - liberta-me!  Quero a calma, a pureza, a serenidade do teu mundo  Quero as manhãs nascendo e as tardes se pondo docemente  Não quero o horror! as convulsões, os desânimos, as lágrimas, a cólera  Quero as tuas mãos - e não as encontro no ar, no mar, no luar, no caminhar  Adormece e vem - eu sei que sou forte e belo para a vida  Sei que há um gênio inquieto na minha palavra que um dia será ouvida  Mas nesse momento quero apenas que seja tu a que sabe e a que recebe  Onde estás? - no país distante que fica ao poente ou no país presente que fica ao levante?…  Ausente - muda e ausente! crianças que sonham trazei-me o seu sono  Estrelas que dormem trazei-me o seu sonho. - Mas quem bateu na minha janela?  - Foi o grito dos trens partindo da tristeza de uns para a alegria de outros  - Foi o grito do além pedindo o orvalho das madrugadas para a carne dos infelizes…