Pátria minha

Vinicius de Moraes

A minha pátria é como se não fosse, é íntima  Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo  É minha pátria. Por isso, no exílio  Assistindo dormir meu filho  Choro de saudades de minha pátria.  Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:  Não sei. De fato, não sei  Como, por que e quando a minha pátria  Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água  Que elaboram e liquefazem a minha mágoa  Em longas lágrimas amargas.  Vontade de beijar os olhos de minha pátria  De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...  Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias  De minha pátria, de minha pátria sem sapatos  E sem meias, pátria minha  Tão pobrinha!  Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho  Pátria, eu semente que nasci do vento  Eu que não vou e não venho, eu que permaneço  Em contato com a dor do tempo, eu elemento  De ligação entre a ação e o pensamento  Eu fio invisível no espaço de todo adeus  Eu, o sem Deus!  Tenho-te no entanto em mim como um gemido  De flor; tenho-te como um amor morrido  A quem se jurou; tenho-te como uma fé  Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito  Nesta sala estrangeira com lareira  E sem pé-direito.  Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra  Quando tudo passou a ser infinito e nada terra  E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu  Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz  À espera de ver surgir a Cruz do Sul  Que eu sabia, mas amanheceu...  Fonte de mel, bicho triste, pátria minha  Amada, idolatrada, salve, salve!  Que mais doce esperança acorrentada  O não poder dizer-te: aguarda...  Não tardo!  Quero rever-te, pátria minha, e para  Rever-te me esqueci de tudo  Fui cego, estropiado, surdo, mudo  Vi minha humilde morte cara a cara  Rasguei poemas, mulheres, horizontes  Fiquei simples, sem fontes.  Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta  Lábaro não; a minha pátria é desolação  De caminhos, a minha pátria é terra sedenta  E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular  Que bebe nuvem, come terra  E urina mar.  Mais do que a mais garrida a minha pátria tem  Uma quentura, um querer bem, um bem  Um libertas quae sera tamen  Que um dia traduzi num exame escrito:  "Liberta que serás também"  E repito!  Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa  Que brinca em teus cabelos e te alisa  Pátria minha, e perfuma o teu chão...  Que vontade me vem de adormecer-me  Entre teus doces montes, pátria minha  Atento à fome em tuas entranhas  E ao batuque em teu coração.  Não te direi o nome, pátria minha  Teu nome é pátria amada, é patriazinha  Não rima com mãe gentil  Vives em mim como uma filha, que és  Uma ilha de ternura: a Ilha  Brasil, talvez.  Agora chamarei a amiga cotovia  E pedirei que peça ao rouxinol do dia  Que peça ao sabiá  Para levar-te presto este avigrama:  "Pátria minha, saudades de quem te ama…  Vinicius de Moraes."