Parte, e tú verás

Vinicius de Moraes

Parte, e tu verás  Como as coisas que eram, não são mais  E o amor dos que te esperam  Parece ter ficado para trás  E tudo o que te deram  Se desfaz.  Parte, e tu verás  Como se quedam mudos os que ficam  Como se petrificam  Os adeuses que ficaram a te acenar no cais  E como momentos que passaram apenas  Perecem tempos imemoriais.  Parte, e tu verás  Como o que era real, resta impreciso  Como é preciso ir por onde vais  Com razão, sem razão, como é preciso  Que andes por onde estás.  Parte, e tu verás  Como insensivelmente esquecerás  Como a matéria de que é feito o tempo  Se esgarça, se dilui, se liquefaz  E qualquer novo sentimento  Te compraz  Repara como um novo sofrimento  Te dá paz  Repara como vem o esquecimento  E como o justificas  E como mentes insensivelmente  Porque és, porque estás  Ah, eterno limite do presente  Ah, corpo, cárcere, onde faz  0 amor que parte e sente  Saudade, e tenta, mas  Para viver, subitamente, mente  Que já não sabe mais  Vida, o presente; morte, o ausente -  Parte, e tu verás...