Elegia lírica

Vinicius de Moraes

Um dia, tendo ouvido bruscamente o apelo da amiga desconhecida  Pus-me a descer contente pela estrada branca do sul  E em vão eram tristes os rios e torvas as águas  Nos vales havia mais poesia que em mil anos.  Eu devia ser como o filósofo errante à imagem da Vida  O riso me levava nas asas vertiginosas das andorinhas  E em vão eram tristes os rios e torvas as águas  Sobre o horizonte em fogo cavalos vermelhos pastavam.  Por todos os lados flores, não flores ardentes, mas outras flores  Singelas, que se poderiam chamar de outros nomes que não os seus  Flores como borboletas prisioneiras, algumas pequenas e pobrezinhas  Que lá aos vossos pés riam-se como orfãozinhas despertadas.  Que misericórdia sem termo vinha se abatendo sobre mim!  Meus braços se fizeram longos para afagar os seios das montanhas  Minhas mãos se tornaram leves para reconduzir o animalzinho transviado  Meus dedos ficaram suaves para afagar a pétala murcha.  E acima de tudo me abençoava o anjo do amor sonhado...  Seus olhos eram puros e mutáveis como profundezas de lago  Ela era como uma nuvem branca num céu de tarde  Triste, mas tão real e evocativa como uma pintura.  Cheguei a querê-la em lágrimas, como uma criança  Vendo-a dançar ainda quente de sol nas gazes frias da chuva  E a correr para ela, quantas vezes me descobri confuso  Diante de fontes nuas que me prendiam e me abraçavam...  Meu desejo era bom e meu amor fiel  Versos que outrora fiz vinham-me sorrir à boca...  Oh, doçura! que colméia és de tanta abelha  Em meu peito a derramares mel tão puro!  E vi surgirem as luzes brancas da cidade  Que me chamavam; e fui... Cheguei feliz  Abri a porta... ela me olhou e perguntou meu nome:  Era uma criança, tinha olhos exaltados, parecia me esperar.  * A minha namorada é tão bonita, tem olhos como besourinhos do céu  Tem olhos como estrelinhas que estão sempre balbuciando aos passarinhos...  É tão bonita! tem um cabelo fino, um corpo de menino e um andar pequenino  E é a minha namorada... vai e vem como uma patativa, de repente morre de amor  Tem fala de S e dá a impressão que está entrando por uma nuvem adentro...  Meu Deus, eu queria brincar com ela, fazer comidinha, jogar nai-ou-nentes  Rir e num átimo dar um beijo nela e sair correndo  E ficar de longe espiando-lhe a zanga, meio vexado, meio sem saber o que faça...  A minha namorada é muito culta, sabe aritmética, geografia, história, contraponto  E se eu lhe perguntar qual a cor mais bonita ela não dirá que é a roxa porém brique.  Ela faz coleção de cactos, acorda cedo vai para o trabalho  E nunca se esquece que é a menininha do poeta.  Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer ir à Europa? ela diz: Quero se mamãe for!  Se eu lhe perguntar: Meu anjo, quer casar comigo? ela diz... - não, ela não acredita.  É doce! gosta muito de mim e sabe dizer sem lágrimas: Vou sentir tantas saudades quando você for...  É uma nossa senhorazinha, é uma cigana, é uma coisa  Que me faz chorar na rua, dançar no quarto, ter vontade de me matar e de ser presidente da república.  É boba, ela! tudo faz, tudo sabe, é linda, ó anjo de Domremy!  Dêem-lhe uma espada, constrói um reino; dêem-lhe uma agulha, faz um crochê  Dêem-lhe um teclado, faz uma aurora, dêem-lhe razão, faz uma briga...!  E do pobre ser que Deus lhe deu, eu, filho pródigo, poeta cheio de erros  Ela fez um eterno perdido...  "Meu benzinho adorado minha triste irmãzinha eu te peço por tudo o que há de mais sagrado que você me escreva uma cartinha sim dizendo como é que você vai que eu não sei eu ando tão zaranza por causa do teu abandono eu choro e um dia pego tomo um porre danado que você vai ver e aí nunca mais mesmo que você me quer e sabe o que eu faço eu vou-me embora para sempre e nunca mas vejo esse rosto lindo que eu adoro porque você é toda a minha vida e eu só escrevo por tua causa ingrata e só trabalho para casar com você quando a gente puder porque agora tudo está tão difícil mas melhora não se afobe e tenha confiança em mim que te quero acima do próprio Deus que me perdoe eu dizer isso mais é sincero porque ele sabe que ontem pensei todo o dia em você e acabei chorando no rádio por causa daquele estudo de Chopin que você tocou antes de eu ir-me embora e imagina só que estou fazendo uma história para você muito bonita e quando chega de noite eu fico tão triste que até dá pena e tenho vontade de ir correndo te ver e beijo o ar feito bobo com uma coisa no coração que já fui até no médico mas ele disse que é nervoso e me falou que eu sou emotivo e eu peguei ri na cara dele e ele ficou uma fera que a medicina dele não sabe que o meu bem está longe melhor para ele eu só queria te ver uma meia hora eu pedia tanto que você acabava ficando enfim adeus que já estou até cansado de tanta saudade e tem gente aqui perto e fica feio eu chorar na frente deles eu não posso adeus meu rouxinol me diz boa-noite e dorme pensando neste que te adora e se puder pensa o menos possível no teu amigo para você não se entristecer muito que só mereces felicidade do teu definitivo e sempre amigo..."  Tudo é expressão.  Neste momento, não importa o que eu te diga  Voa de mim como uma incontensão de alma ou como um afago.  Minhas tristezas, minhas alegrias  Meus desejos são teus, toma, leva-os contigo!  És branca, muito branca  E eu sou quase eterno para o teu carinho.  Não quero dizer nem que te adoro  Nem que tanto me esqueço de ti  Quero dizer-te em outras palavras todos os votos de amor jamais sonhados   Alóvena, ebaente  Puríssima, feita para morrer...  "Ó  Crucificado estou  Na ânsia deste amor  Que o pranto me transporta sobre o mar  Pelas cordas desta lira  Todo o meu ser delira  Na alma da viola a soluçar!"  Bordões, primas  Falam mais que rimas.  É estranho  Sinto que ainda estou longe de tudo  Que talvez fosse cantar um blues  Yes!  Mas  O maior medo é que não me ouças  Que estejas deitada sonhando comigo  Vendo o vento soprar o avental da tua janela  Ou na aurora boreal de uma igreja escutando se erguer o sol de Deus.  Mas tudo é expressão!  Insisto nesse ponto, senhores jurados  O meu amor diz frases temíveis:  Angústia mística  Teorema poético  Cultura grega dos passeios no parque...  No fundo o que eu quero é que ninguém me entenda Para eu poder te amar tragicamente!