Vinte anos

Vinicius de Moraes

Pela campina as borboletas se amam ao estrépito das asas. Tudo quietação de folhas. E um sol frio Interiorizando as almas. Mergulhado em mim mesmo, com os olhos errando na campina Eu me lembro da minha juventude. Penso nela como os velhos na mocidade distante: — Na minha juventude… Eu fui feliz nesse passado grato Viviam então em mim forças que já me faltam. Possuía a mesma sinceridade nos bons e maus sentimentos. Aos frenesis da carne se sucediam os grandes misticismos quietos. Era um pequeno condor que ama as alturas E tem confiança nas garras. Tinha fé em Deus e em mim mesmo Confessava-me todo domingo E tornava a pecar toda segunda-feira Tinha paixão por mulheres casadas E fazia sonetos sentimentais e realistas Que catalogava num grande livro preto A que tinha posto o nome de Fœderis Arca. A minha juventude... Onde eu seguia ansioso Tartarin pelos Alpes E Júlio Verne foi o mais audaz de todos os cérebros... Onde Mr. Pickwick era a alegria das noites de frio E Athos o mais perfeito de todos os homens... A minha juventude Onde Cervantes não era o filósofo de D. Quixote... A minha juventude E a noite passada em claro chorando Jean Valjean que Victor Hugo matara... Como vai longe tudo! Pesa-me como uma sufocação meus próximos vinte anos E esta experiência das coisas que aumenta a cada dia. Medo de ser jovem agora e ser ridículo Medo da morte futura que a minha juventude desprezava Medo de tudo, medo de mim próprio Do tédio das vigílias e do tédio dos dias... Virá para mim uma velhice como vem para os outros Que me dissecará na experiência? Da campina verde voaram as borboletas... Só a quietação das folhas E o meu turbilhão de pensamentos. ---