Sonoridade

Vinicius de Moraes

Meus ouvidos pousam na noite dormente como aves calmas Há iluminações no céu se desfazendo... O grilo é um coração pulsando no sono do espaço E as folhas farfalham um murmúrio de coisas passadas Devagarinho... Em árvores longínquas pássaros sonâmbulos pipilam E águas desconhecidas escorrem sussurros brancos na treva. Na escuta meus olhos se fecham, meus lábios se oprimem Tudo em mim é o instante de percepção de todas as vibrações. Pela reta invisível os galos são vigilantes que gritam sossego Mais forte, mais fraco, mais brando, mais longe, sumindo Voltando, mais longe, mais brando, mais fraco, mais forte. Batidos distantes de passos caminham no escuro sem almas Amantes que voltam... Pouco a pouco todos os ruídos se vão penetrando como dedos E a noite ora. Eu ouço a estranha ladainha E ponho os olhos no alto, sonolento. Um vento leve começa a descer como um sopro de bênção Ora pro nobis... Os primeiros perfumes ascendem da terra Como emanações de calor de um corpo jovem. Na treva os lírios tremem, as rosas se desfolham... O silêncio sopra sono pelo vento Tudo se dilata um momento e se enlanguesce E dorme. Eu vou me desprendendo de mansinho... A noite dorme. ---