Uma mulher no meio do mar

Vinicius de Moraes

(Sobre um desenho original de Almir Castro)  Na praia batida de vento a voz entrecortada chama Dentro da noite amarga a grande lua está contigo e está com ela — pousa o teu rosto sobre a areia! A tua lágrima de homem ficará correndo sobre o teu corpo dormindo e te levará boiando E talvez a tua mão inerme encontre a sua mão cheia de frio Tudo está sozinho e o supremo abandono pousou sobre o corpo nu da que deixaste ir A onda solitária é o berço do amor e há uma música eterna nas formas invisíveis Passa o teu braço sobre o que foi o triste destroço de um outro mar bem mais revolto E sentirás que nunca o pobre corpo foi mais flexuoso ao teu afago nem o olhar mais aberto ao teu desejo. Afaga os seios que os teus beijos poluíram e que a água amante fez altos e serenos Mergulha os dedos pela última vez na úmida cabeleira espessa que se vai abrir como as medusas Porque também a lua vive a vez derradeira a visão escrava Porque nunca mais também os olhos que estão parados te mostrarão o céu E as linhas que vês desfeitas já pesam como que para o descanso do fundo que não atingirás. Não sentes que é preciso que ela vá, vá dar morada às algas que lhe cobrirão amorosamente o corpo Para fugir de ti que o cobrias apenas com a ardência imutável do teu desejo? Oh, o amor que abre os braços à piedade!... ---