Copacabana

Vinicius de Moraes

Esta é Copacabana, ampla laguna  Curva e horizonte, arco de amor vibrando  Suas flechas de luz contra o infinito.  Aqui meus olhos desnudaram estrelas  Aqui meus braços discursaram à lua  Desabrochavam feras dos meus passos  Nas florestas de dor que percorriam.  Copacabana, praia de memórias!  Quantos êxtases, quantas madrugadas  Em teu colo marítimo!           - Esta é a areia  Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas  - Aquele é o bar maldito. Podes ver  Naquele escuro ali? É um obelisco  De treva - cone erguido pela noite  Para marcar por toda a eternidade  O lugar onde o poeta foi perjuro.  Ali tombei, ali beijei-te ansiado  Como se a vida fosse terminar  Naquele louco embate. Ali cantei  À lua branca, cheio de bebida  Ali menti, ali me ciliciei  Para gozo da aurora pervertida.  Sobre o banco de pedra que ali tens  Nasceu uma canção. Ali fui mártir  Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo  Aqui encontrarás minhas pegadas  E pedaços de mim por cada canto.  Numa gota de sangue numa pedra  Ali estou eu. Num grito de socorro  Entreouvido na noite, ali estou eu.  No eco longínquo e áspero do morro  Ali estou eu. Vês tu essa estrutura  De apartamento como uma colmeia  Gigantesca? em muitos penetrei  Tendo a guiar-me apenas o perfume  De um sexo de mulher a palpitar  Como uma flor carnívora na treva.  Copacabana! ah, cidadela forte  Desta minha paixão! a velha lua  Ficava de seu nicho me assistindo  Beber, e eu muita vez a vi luzindo  No meu copo de uísque, branca e pura  A destilar tristeza e poesia.  Copacabana! réstia de edifícios  Cujos nomes dão nome ao sentimento!  Foi no Leme que vi nascer o vento  Certa manhã, na praia. Uma mulher  Toda de negro no horizonte extremo  Entre muitos fantasmas me esperava:  A moça dos antúrios, deslembrada  A senhora dos círios, cuja alcova  O piscar do farol iluminava  Como a marcar o pulso da paixão  Morrendo intermitentemente. E ainda  Existe em algum lugar um gesto alto,  Um brilhar de punhal, um riso acústico  Que não morreu. Ou certa porta aberta  Para a infelicidade: inesquecível  Frincha de luz a separar-me apenas  Do irremediável. Ou o abismo aberto  Embaixo, elástico, e o meu ser disperso  No espaço em torno, e o vento me chamando  Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes  Morri entre essas máquinas erguidas  Contra o Tempo!) Ou também o desespero  De andar como um metrônomo para cá  E para lá, marcando o passo do impossível  À espera do segredo, do milagre  Da poesia.          Tu, Copacabana,  Mais que nenhuma outra foste a arena  Onde o poeta lutou contra o invisível  E onde encontrou enfim sua poesia  Talvez pequena, mas suficiente  Para justificar uma existência  Que sem ela seria incompreensível.