O falso mendigo

Vinicius de Moraes

Minha mãe, manda comprar um quilo de papel almaço na venda Quero fazer uma poesia. Diz a Amélia para preparar um refresco bem gelado E me trazer muito devagarinho. Não corram, não falem, fechem todas as portas a chave Quero fazer uma poesia. Se me telefonarem, só estou para Maria Se for o Ministro, só recebo amanhã Se for um trote, me chama depressa Tenho um tédio enorme da vida. Diz a Amélia para procurar a “Patética” no rádio Se houver um grande desastre vem logo contar Se o aneurisma de dona Ângela arrebentar, me avisa Tenho um tédio enorme da vida. Liga para vovó Neném, pede a ela uma ideia bem inocente Quero fazer uma grande poesia. Quando meu pai chegar tragam-me logo os jornais da tarde Se eu dormir, pelo amor de Deus, me acordem Não quero perder nada na vida. Fizeram bicos de rouxinol para o meu jantar? Puseram no lugar meu cachimbo e meus poetas? Tenho um tédio enorme da vida. Minha mãe estou com vontade de chorar Estou com taquicardia, me dá um remédio Não, antes me deixa morrer, quero morrer, a vida Já não me diz mais nada Tenho horror da vida, quero fazer a maior poesia do mundo Quero morrer imediatamente. Fala com o Presidente para fecharem todos os cinemas Não aguento mais ser censor. Ah, pensa uma coisa, minha mãe, para distrair teu filho Teu falso, teu miserável, teu sórdido filho Que estala em força, sacrifício, violência, devotamento Que podia britar pedra alegremente Ser negociante cantando Fazer advocacia com o sorriso exato Se com isso não perdesse o que por fatalidade de amor Sabe ser o melhor, o mais doce e o mais eterno da tua puríssima carícia.