Antiode à tristeza

Vinicius de Moraes

Ó enfermeira sem som do olhar sem cor  Que refletida ao último infinito  Pela lúcida insânia dos espelhos  Passeias pelo imenso corredor  Desta antiga Irmandade! Ó sonolenta  Irmã-sem-Caridade, que vagueias  Com tuas leves sandálias de silêncio  Cuidando com desvelo da saudade  E dos males de amor de cada enfermo!  Ó guardiã do ermo, provedora  De langor, que pelo imenso corredor  Deste hospital sem termo, te comprazes  Em deitar éter sobre o sofrimento  Dos que querem viver, e dar morfina  Aos que morrem de amor! Ó freira louca  Irmã-sem-Fé, a desfiar, ausente  Teu rosário sem fim de contas ocas!  Ó trânsfuga da vida, esmaecida  Monja: o que queres mais de mim?  Já não te dei meus dias, minhas noites  E até minhas auroras, não te dei?  Já te mandei embora? Não fui sempre  Teu melhor paciente, e o mais antigo?  Não fui amigo teu, mesmo doente  De ti, não fui, Madre desoladora?  Pois agora te digo: vai-te embora!  Afasta-te de mim! não mais te quero  Irmã-sem-Esperança, confessora  Sem perdão, de quem mais nada espero  Senão vazio e angústia. Irmã-sem-Dor  Com teu rosário e teu burel de cinzas  A empoeirar de tédio as minhas horas.  Vai predicar além, predicadora  Da voz ausente, vai! que se me voltas  Eu grito nomes feios, eu te espanco  Ou te enforco em teu terço de mil voltas  Ou caio na risada, ou te exorcizo  Com um gigantesco crucifixo branco  Onde, transverberando luz do flanco  Resplende o corpo nu da minha amada!