A brusca poesia da mulher amada (II)

Vinicius de Moraes

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio  É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite  E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada  É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos  astros.  Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada  Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula  E o elemento verde antagônico. A mulher amada  É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro  No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso  É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.  É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada  E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite  Outra coisa não é senão o seio da mulher amada  Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica  É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.  Nascitura. Nascitura da mulher amada  É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher  amada  É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? - a mulher amada!  Quem colhe a tempestade? - a mulher amada!  Quem determina os meridianos? - a mulher amada!  Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.  Talvegue, estrela, petardo  Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada  Quando! E de outro não seja, pois é ela  A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita  Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda  O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta  Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.  Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.  Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!