Ele é o mundo extremo de beleza…

Vinicius de Moraes

Ele é o mundo extremo de beleza e de todas as idéias passadas e futuras  É a sabedoria de todas as coisas na sua essência de música e de poesia  É a vida em desencantamento de todas as imagens do tempo na carne  Ele diz à mata tumefacta: Eu sou tu mesmo, larva do amor infinito  E se morrer é para que eu viva a tua morte e a minha vida!  E com mãos de piedade tece teias gigantescas sobre os cosmos debruçados  Onde tombam palpitantes corações cheios de sofrimento e de angústia.  Ele possui - possui como nunca possuiu o espírito no sangue dos homens  Sabe - sabe como nunca soube a alma no seio da tragédia  E perdura - como nunca perdurou a morte no fundo do ser inocente  Ele diz à noite: Tu existes, mas que seria de ti se eu não te visse  Que realidade és senão a claridade dos meus olhos que tudo criam?  E a noite que não o vê desce os mais escuros véus sobre o cadáver dos rios  Com negras lágrimas ardentes de impotência e miséria.  Quando o peregrino encontra na noite negra a branca imagem do seu extâse  Misteriosamente à sua volta a natureza se putrefaz     Seus olhos que penetravam mornos os cânticos estelares de Aldebarã  Vêem descer em fios de luz planetas como aranhas rígidas  Que pousam sobre a epiderme corrompida das matas e das águas  E na vida que começa em origem e entendimento no seu íntimo  A paisagem da morte dolorosa.  E sobre cada extensão de folhas e de frutos  Os sonhos fogem como crisálidas translúcidas para os espaços frios da alma  E se respondem em ecos de lembrança e de intuições serenas  E como a águia, o peregrino-deus devora as entranhas da terra  E com ela alimenta as iluminações de um céu não mais inexistente  E com ela fecunda as fruições de uma seiva decomposta em lava  Que se arrasta para as escarpas mortuárias de cruéis abismos vividos.