No Camarote

Castro Alves

(Sobre motivos de espanhol) NO CAMAROTE gélida e quieta Por que imóvel assim cravas a vista? És o sonho de neve de um poeta? És a estátua de pedra de um artista? Debalde cresce de harmonia o canto... A Moça não o escuta, além perdida! Que amuleto prendeu-a no quebranto? Em que céu vai boiando aquela vida? Onde se engolfa o cisne dessa mente? Em que vagas azuis desce cantando? Que bafagem, meu Deus! frouxa, dormente, Lhe acalenta o cismar no alento brando? — Arcanjo, deusa ou pálida madona — Quem é, surpresa, a multidão pergunta... E ao vê-la mais gentil que Desdemona Como para rezar as mãos ajunta. Odalisca talvez de haréns brilhantes, Ela no lábio as multidões algema. Talvez destalma nas visões errantes Voa a pura miragem de um poema. Nem um riso, entretanto, a flux luzindo Aos delírios que esfolha a cavatina, A boca rubra de improviso abrindo, Esta fronte fatídica ilumina. Pois naquela alma só se encontra neve? Nada palpita nessa forma branca? Pois não freme este mármore de leve? Pois nem o canto esta friez lhe arranca? Ai! Ninguém fie dessa calma estranha — Êxtase santo de harmonias cheio — Guarda a lava a petrina da montanha, Guarda Vesúvios o palor de um seio. Oh! ser a idéia dessa fronte pura, Ser o desejo desse lábio quente, Fora o meu sonho de ideal ventura, Fora o delírio de minhalma ardente. Feliz quem possa na ansiedade louca Esta bela mulher prender nos braços... Beber o mel na rosa desta boca, Beijar-lhe os pés... quando beijar-lhe os passos!