No Fonte

Castro Alves

I "ERA HOJE ao meio-dia. Nem uma brisa macia Pela savana bravia Arrufava os ervaçais... Um sol de fogo abrasava; Tudo a sombra procurava; Só a cigarra cantava No tronco dos coqueirais. II "Eu cobri-me da mantilha, Na cabeça pus a bilha, Tomei do deserto a trilha, Que lá na fonte vai dar. Cansada cheguei na mata: Ali, na sombra, a cascata As alvas tranças desata Como ua moça a brincar. III "Era tão densa a espessura! Corria a brisa tão pura! Reinava tanta frescura, Que eu quis me banhar ali. Olhei em roda... Era quedo O mato, o campo, o rochedo... Só nas galhas do arvoredo Saltava alegre o sagüi. IV "Junto às águas cristalinas Despi-me louca, traquinas, E as roupas alvas e finas Atirei sobre os cipós. Depois mirei-me inocente, E ri vaidosa... e contente... Mas voltei-me de repente... Como que ouvira uma voz! V "Quem foi que passou ligeiro, Mexendo ali no ingazeiro, E se embrenhou no baleeiro, Rachando as folhas do chão?... Quem foi? ! Da mata sombria Uma vermelha cutia Saltou tímida e bravia, Em procura do sertão. VI "Chamei-me então de criança; A meus pés a onda mansa Por entre os juncos s’entrança Como uma cobra a fugir! Mergulho o pé docemente; Com o frio fujo à corrente... De um salto após de repente Fui dentro dágua cair. VII "Quando o sol queima as estradas, E nas várzeas abrasadas Do vento as quentes lufadas Erguem novelos de pó, Como é doce em meio às canas, Sob um teto de lianas, Das ondas nas espadanas Banhar-se despida e só! ... VIII "Rugitavam os palmares... Em torno dos nenufares Zumbiam pejando os ares Mil insetos de rubim... Eu naquele leito brando Rolava alegre cantando... Súbito... um ramo estalando Salta um homem junto a mim!"