Lucas

Castro Alves

QUEM FOSSE naquela hora, Sobre algum tronco lascado Sentar-se no descampado Da solitária ladeira, Veria descer da serra, Onde o incêndio vai sangrento, A passo tardio e lento, Um belo escravo da terra Cheio de viço e valor... Era o filho das florestas! Era o escravo lenhador ! Que bela testa espaçosa, Que olhar franco e triunfante! E sob o chapéu de couro Que cabeleira abundante! De marchetada jibóia Pende-lhe a rasto o facão... E assim... erguendo o machado Na larga e robusta mão... Aquele vulto soberbo, — Vivamente alumiado, — Atravessa o descampado Como uma estátua de bronze Do incêndio ao fulvo clarão. Desceu a encosta do monte, Tomou do rio o caminho... E foi cantando baixinho Como quem canta pra si. Era uma dessas cantigas Que ele um dia improvisara, Quando junto da coivara Faz-se o Escravo — trovador. Era um canto languoroso, Selvagem, belo, vivace, Como o caniço que nasce Sob os raios do Equador. Eu gosto dessas cantigas, Que me vem lembrar a infância, São minhas velhas amigas, Por elas morro de amor... Deixai ouvir a toada Do — cativo lenhador — E o sertanejo assim solta a tirana, Descendo lento pra a servil cabana...