História de Um Crime

Castro Alves

"FAZEM HOJE muitos anos Que de uma escura senzala Na estreita e lodosa sala Arquejava ua mulher. Lá fora por entre as urzes O vendaval sestorcia... E aquela triste agonia Vinha mais triste fazer. "A pobre sofria muito. Do peito cansado, exangue, Às vezes rompia o sangue E lhe inundava os lençóis. Então, como quem se agarra Às últimas esperanças, Duas pávidas crianças Ela olhava... e ria após. "Que olhar! que olhar tão extenso! Que olhar tão triste e profundo! Vinha já de um outro mundo, Vinha talvez lá do céu. Era o ralo derradeiro. Que a lua, quando se apaga, Manda por cima da vaga Da espuma por entre o véu. "Ainda me lembro agora Daquela noite sombria, Em que ua mulher morria Sem rezas, sem oração!... Por padre — duas crianças... E apenas por sentinela Do Cristo a face amarela No meio da escuridão. "As vezes naquela fronte Como que a morte pousava E da agonia aljofrava O derradeiro suor... Depois acordava a mártir, Como quem tem um segredo... Ouvia em torno com medo, Com susto olhava em redor. "Enfim, quando noite velha Pesava sobre a mansarda, E somente o cão de guarda Ladrava aos ermos sem fim, Ela, nos braços sangrentos As crianças apertando, Num tom meigo, triste e brando Pôs-se a falar-lhes assim: (Continua no poema Último Abraço, arquivo seguinte)