Deusa Incruenta

Castro Alves

À IMPRENSA Ao Grêmio Literário` ANTÍTESE A "TERRIBILIS DEÁ" QUANDO ELA se alteou das brumas da Alemanha, Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha, Na destra suspendendo a estrela da manhã... O espasmo de um fuzil correu nos horizontes... Clareou-se o perfil dos alvacentos montes, Dos cimos do Peru... às grimpas do Hindustã!!... Tinha na mão brilhante a trompa bronzeada! Vestia o longo véu da vestal inspirada! Era Palas talvez! ... talvez um serafim!... O albor de Beatriz no imaginar do Dante!. . . O olhar da Pitonisa em trípode gigante! Do mundo — Anjo da guarda! enorme querubim!... Ergueu-se! Olhou de roda os plainos do Universo... No peito das Nações seu braço longo, imerso Palpou-lhe o estrepitar do estoso coração!... — Gênio e santa! — a mulher um grito ergueu profundo, Abriu braços de mãe — pra acalentar o mundo, Asas de Serafim — pra abrigar a amplidão. Rugiram de terror ao ver-lhe o rir sublime... O sátrapa, o chacal, a tirania, o crime... O abutre, o antro, o mocho, o erro, a escravidão! Disse a gruta pra o céu: "Que deusa é esta ingente?" O espaço respondeu: "É a Diva do Ocidente!... A consciência do mundo! o Eu da criação!" E quando Ela surgiu, — os pólos se abraçaram! O Zênite e o Nadir, — surpresos, se escutaram! O Norte - ouviu, chorando, o soluçar — do Sul! O abafado estertor do servo miserando, Da deusa no clarim gigante reboando, Clamou da terra — verde... ao firmamento — azul! ... Uma noite... no chão da Grécia - peregrina, A Deusa ajoelhou... da poeira divina O fantasma de Homero então viram surgir! "Ainda viajar" diz o velho em assombro... "Quem és? "Eu sou teu guia... Encosta-te ao meu ombro." — "Então, levas-me longe?" — "Eu levo-te ao porvir!" No forum colossal da sempiterna Roma De Cícero a figura apaixonada assoma E de novo retumba o verbo atroador... Tem hoje por tribuna imensa — a eternidade, Por Forum o universo! é plebe — a humanidade! A seus pés as nações! os séculos — em redor! Quando a Bastilha vil tremia desraigada E da mole ao sopé soava a martelada, A catapulta humana, a voz de Mirabeau!... Quando aquele ideal Quasímodo do abismo Se agitava a ulular dos Reis no cataclismo, — Sineiro que rebate aos séculos tocou!... Eriçado, feroz, suado, monstruoso, Magnífico de horror, divino, proceloso... A Deusa se atirou nos braços do Titão!! Mas, sentindo que o Deus inteiriçado tomba... Dos tronos coa madeira — arvora-lhe a hecatomba! Coas púrpuras dos reis — acende-lhe um clarão! Seguiu do Childe errante o iate aventureiro... Beijou-lhe a palidez ao Lord-Forasteiro, De Veneza, a lasciva — à lânguida Stambul! E, quando o Lara-Inglês expira, o Pajem louro É Ela!... E fala... e aponta o firmamento de ouro, Gulnar lembra a Conrado o seu país de azul!... Quando a Polônia casta, essa Lucrécia nova, Para fugir — a um leito, arroja-se a — uma cova... E mata-se de nojo... aos beijos de um Czar... Uma atriz funeral surge do negro palco, Tira à chaga o punhal, descobre o catafalco... E deixa sobre a Europa... o ferro gotejar! — Amazona sombria — ela arrebata o Goethe Na garupa a fumar do tártaro ginete, Pela noite hibernal dos séculos ao sabá!... Anjo, às vezes, no céu fatídico revca, A buzinar de cobre os longos ares troa... Ergue-se a meio o chão do escuro Josafá! Salve, Deusa incruenta! Imensa Divindade! — Barqueira desse mar — chamado a Eternidade! — Que às margens do Cocito embarcas os heróis... Em prol da Humanidade a Deus levas o grito. Tens os olhos — na terra a boca — no infinito! A meia lua aos pés! Na cabeleira — os sóis!!! Quando Ela se alteou nas brumas da Alemanha, Alva, grande, ideal, lavada em luz estranha, Na destra suspendendo a estrela da manhã... O espasmo de um fuzil correu nos horizontes ... Clareou-se o perfil dos alvacentos montes Dos cimos do Peru às grimpas do Hindostã!!... ..................................................